terça-feira, 18 de outubro de 2011

Zangados com a lua

Estamos zangados com a lua,
com o céu
e com o que se passa na rua.

Andamos com esta desavença
na mala onde guardamos
as inutilidades que conquistamos,
mas a nossa alma é a mesma:
é uma liga de inferno e paraíso
caldeada pela luz
e pelas trevas do que somos.

E somos apenas a convulsão
de uma coisa que não dominamos.

Mas vivemos,
porque somos génios da ambiguidade
entre o grande e o elementar,
engrenados na imperfeição
das rodas dentadas humanas.

Prosapias

Sobrevivo numa rima miserável
de vontades recheadas de coisas movediças,
que resvalam como lava
por caminhos aleatórios de enxurrada.

Sendo as torrentes,
as minhas e as dos outros, em muitos casos,
inversamente proporcionais
ao saber e à bondade,
o que nos define como grupo
são os pontos em comum,
criando raízes em certos sítios da ladeira,
mais ou menos próximos
do cume ou do sopé.

Só que, vistos de fora,
somos um agrupamento de um só caráter
muito perto da derrota, no sopé,
sabendo-se que essa visão
tanto abarca o seu oposto como a sua resultante.

Mas eles, os de fora,
andam redondamente enganados
porque somos bons em tudo, estamos no topo,
desde que não nos obriguem prová-lo.
E somos felizes com o sonho
das vontades por cumprir, prosápias já seculares.

Amanhã

Amanhã,
quando o poema invadir os teus braços
e percorrer inteiro as veias do teu corpo,
será nas mãos que revelarás
a percepção do desejo
que há na luz do teu olhar.

Acordarás, então,
a perfeição dos teus seios
e a ternura inundará a tua pele,
moldando-te a voz
em timbres que julgavas esquecidos
nas palavras da memória submersa.

Haverá,
nesse tempo de rosas, bandos
de andorinhas perfumadas no teu rosto,
mas não será minha essa virtude,
já que me darei em silêncio
para não paralisar a beleza do teu voo.

Labirinto

Não me liberto de ti
porque sou prisioneiro do ser [no meu estar]
e do pensar no teu ser.

Porque, não sendo iguais,
existimos gémeos no rumo que somos
e na perdição sem limites
do estar em labirintos impensados no pensar.

Sendo o existir involuntário
e a nossa natureza um mero [mas feliz] acaso,
é natural o rumo que tomámos.

E o desconsolo [igualmente impensado]
é o reflexo inato da natureza do ser e do estar
de outros existires,
que nos cingem noutros rumos.

Assim sendo, estou perdido…
Não me sei esclarecer na encruzilhada de rumos
e corremos o risco de nos beijarmos
apenas e sempre ocultos neste nosso labirinto.